ARTIGOS

Em busca das mentiras malandras

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Por ADHEMAR BAHADIAN*
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Publicado em 04/05/2025 às 08:40

Alterado em 04/05/2025 às 08:40

Está num dos mais conhecidos canais de cinema pago na televisão do Brasil uma das melhores séries sobre a Guerra do Vietnã. “Ponto de virada, a guerra do Vietnã” (seu título completo) é de coragem exemplar, só possível em grandes democracias.

Indispensável para se compreender o pensamento da elite do governo americano no período Kennedy-Johnson-Nixon-Ford, a série, muito longe de nos apresentar uma visão edulcorada da Guerra, traça, com bisturi, o processo de degradação social e política dos Estados Unidos da América.

Os capítulos sobre as tratativas de Nixon para evitar o fim da guerra no governo Johnson são de clareza só cabível num relato de crime de lesa-pátria, o que na realidade ocorreu e só veio a público por ocasião do caso Watergate. A renúncia de Nixon nos revela sua decadência e o maquiavelismo de Kissinger quando ambos não hesitam em ameaçar as conversações de Paz em Paris.

As consequências políticas do maquiavelismo não se fazem esperar: assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy, massacres policiais na Universidade de Kent, desesperança da juventude americana diante de uma guerra impopular e a disseminação de drogas pesadas entre os soldados americanos e até mesmo a desobediência militar com atentados contra a vida de superiores no próprio exército americano.

E o pior, como a série mostra, é a sucessão de Intervenções militares mal-sucedidas, como as do Afeganistão e do Iraque, esta última com desrespeito evidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas . Sem falar na demissão ”manu-militari“ de um diplomata brasileiro, José Bustani, do cargo de Diretor-Geral da organização contra o uso de armas químicas, por ter tido a dignidade de se opor à acusação improcedente de que o Iraque estaria usando armas químicas. Acusação falsa, anos depois denunciada por William Powell como a que ele próprio sofreu pela agência de informações de seu país.

Recomendo ver a série em sua integridade. Há cenas de uma crueldade enorme, depoimentos chocantes de jornalistas americanos como Dan Rather, e há, sobretudo, a radiografia de governos e governantes cindidos entre a verdade e a mentira sacrílega diante da Bíblia e dos tribunais humanos.

Impossível não vincular as mentiras trazidas à luz do sol sem compararmos os acontecimentos de ontem com os de hoje. Se Nixon perseguiu jornalistas e impediu a livre circulação de notícias pelos grandes jornais, hoje é evidente que a liberdade de imprensa está sujeita a constrangimentos ainda maiores.

A velocidade inquestionável da internet está hoje sendo utilizada pelas Big-Techs para monopolizar a verdade política ou não. Quando Musk pretende eliminar todas as verbas do governo americano na sustentação de programas de rádio ou televisão públicas, quando o mesmo Musk abre litígio contra o Supremo Tribunal Federal porque o Supremo exige, como é de seu dever, que as Big-Techs obedeçam às leis do Brasil para nele poderem se instalar, não há o menor ataque à liberdade de imprensa. Musk, na realidade, quer servir um prato feito onde a liberdade de informar fique sujeita a arranjos de algoritmos.

A confusão é tão intencional quanto a de Trump quando se insurge contra a Universidade de Harvard e outras.

Aqui, como Nixon a atirar contra os protestos estudantis sobre a guerra do Vietnã, Trump quer calar a voz dissidente da Academia contra o abuso de direito no Oriente Próximo, ainda que ao preço de destruir a liberdade de pensamento, essência da Democracia.

Tanto Harvard quanto a série sobre a Guerra do Vietnã nos alertam sobre o preço a pagar pelo Direito de vivermos longe do tacão autoritário, que nos espreita com o olhar raivoso do cão danado.

*Embaixador aposentado 

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