ARTIGOS
Reflexões de um diplomata ingênuo
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 20/04/2025 às 07:01
Alterado em 20/04/2025 às 09:54
Hoje, Páscoa, dia de comunhão e solidariedade, vou-lhes fazer uma confissão: sou um diplomata ingênuo.
Talvez, ingênuo seja uma palavra deslocada e certamente autodepreciativa. Reformulo a frase: sou um diplomata idealista. Aliás, convenhamos, como ser diplomata sem ser idealista? Ninguém pode ser diplomata sem a combinação em doses certas destas forças do psiquismo humano: o idealismo e a convicção de que a natureza humana é, em si, construtiva, racional, confiante no predomínio da razão sobre a bestialidade, sobre a vitória do bem sobre o mal? Freud explica?
O grande salto de Freud no avanço de nossa civilização foi certamente o de nos ter mostrado o lado sombrio da mente, as pulsões de morte em conflito com a pulsão de vida, o mistério de nossas camadas inconscientes de inveja, destruição, cobiça e voracidade. Freud nos ensinou que viver em sociedade não é para amadores, sejamos brasileiros ou esquimós.
Vivemos hoje um momento particularmente freudiano em que os Estados Unidos da América, país no qual não podemos deixar de reconhecer a inescapável influência na vida de nosso planeta nos últimos séculos, parece tomado por impulsos de evidente irrazoabilidade a nos colocar a todos em grande risco.
Mais de uma vez chamei a atenção para o fato inédito de que a própria Associação Americana de Psiquiatria alertou o povo americano sobre os mais do que evidentes traços psiquiátricos suspeitos de Trump. E pela primeira vez, pelo menos que eu saiba, uma entidade da seriedade científica da Associação de Psiquiatria Americana recomendou que um candidato não fosse ungido pelo voto popular.
Trump foi eleito não uma, mas duas vezes, e reeleito se considera onipotente. Evidente, a reeleição sofreu a influência de uma maciça campanha financeira a resultar no inédito fenômeno de um governo semimonárquico com um Rei Sol e um fiel servidor, Musk, representante maior do poder financeiro do capitalismo americano.
Jeffrey Sachs, renomado economista americano, em recentes palestras encontráveis nas plataformas da internet, não hesita em classificar o governo americano como profundamente influenciado pelos “lobbies" e seus poderes econômicos. Aponta que o principal “desvio"da democracia americana foi a autorização concedida pela Suprema Corte Americana para que as doações de campanha pudessem ser ilimitadas, fossem elas feitas por corporações ou pessoas físicas.
Derivaria daí ser o governo americano controlado por duas forças maiores : o poder dos super-ricos e do lobby de Israel com imensa influência na política americana do Oriente Médio.
Os fatos recentes parecem dar razão a Jeffrey Sachs. Tanto Biden quanto Trump não foram capazes de evitar o banho de sangue na Faixa de Gaza que nos horrorizou a todos e continua a nos horrorizar. As promessas de Trump, de que tanto a guerra da Ucrânia quanto a de Gaza seriam finalizadas em poucos dias, estão de fato renascendo diante de um cinismo expresso, ainda ontem, por Marcos Rubio de que os Estados Unidos teriam outros gatos “à fouetter”.
Ingênuo acreditar em saídas pacíficas e construtivas. Mas, acredito nelas. A começar pela crescente reação do povo americano que já não apoia Trump e suas políticas. As últimas pesquisas americanas indicam que 52 por cento da população não apoia as políticas do governo. A investida trumpista contra as universidades americanas parece ter sido o último prego no caixão de um autoritarismo interno assustador. Externamente, a imposição de tarifas estratosféricas sobre os produtos chineses resultou na fuga de investidores dos papéis do tesouro americano. Trump parece chegar ao último estágio do diagnóstico da loucura no termômetro mais popular de todos: rasga dinheiro.
Jeffrey Sachs apertou o botão do alarme contra tsunamis. Trump chegou mais cedo do que se pensava ao ponto de não retorno.
A China, voz razoável neste momento, tenta buscar uma reunião internacional com vistas a nos reconduzir ao sistema internacional regulado pelo Direito Internacional. Se Trump, camaleão inquestionável, souber se agarrar a esta boia de salvação que lhe joga XI Jinping, talvez consiga chegar ao fim de seu mandato. Caso contrário, se torna um pato manco nas eleições de Midterm, em 2026.
Estas as impressões deste diplomata ingênuo que assina estas linhas com votos de Boa Páscoa.
Os céus tendem a se desanuviar. Não por milagre, mas porque a razão parece voltar tranquila e serena como velha senhora do bom-senso.