ARTIGOS
A ilusão e a servidão
Por ADHEMAR BAHADIAN
[email protected]
Publicado em 08/09/2024 às 08:54
Alterado em 08/09/2024 às 08:54
Neste sete de setembro seria bom recordar que a Independência do Brasil não é um ponto final em nossa história.
A independência nos desafia a cada dia e, convenhamos, a cada dia é mais difícil decifrar as artimanhas políticas, ou simplesmente rasteiras, canastronas ou não, que nos invadem o cotidiano.
Esta semana, que nos meus tempos de escola se chamava de “Semana da Pátria”, estivemos às voltas com uma falsa dicotomia entre a lei e o progresso, como se o progresso só se tornará efetivamente popular quando se tornar contra a lei.
A bola da vez desta semana foi a plataforma digital de um bilionário que se azedou com o Supremo Tribunal Federal.
Em especial, com o Ministro Moraes, a quem se pretende transformar num jurisconsulto arredio à letra e ao espírito da lei.
E o que fez Alexandre de Moraes? Simplesmente, exigiu que a empresa do bilionário exibicionista se conformasse com as leis do Brasil, assim como o peixeiro da esquina e a multinacional instalada na Avenida Paulista ou em Betim.
Não pretendo repetir os argumentos de uma parte e outra do litígio, mas apenas aduzir algumas considerações, talvez desnecessárias, mas imperiosas pelo menos em respeito a você que me distingue com sua leitura.
E resolvi fazer as observações que se seguem porque entendo estarmos atravessando uma fase particularmente perigosa de nossa história política, onde se coloca em risco o futuro de nossa efetiva independência política e nossa capacidade de dirigirmos nosso próprio destino econômico.
Já não é segredo para ninguém que os últimos 50 anos foram profundamente influenciados por uma "nova" visão de capitalismo. Com marco referencial nos anos 80 do século 20, a nova doutrina, chamada neoliberalismo, se apoiou na libertação dos mercados e na crítica ao papel dos Estados no controle da atividade econômica.
A frase definidora do espírito da época foi plantada pelo marketing num dos seus mais bem sucedidos “achados” políticos,
Ronald Reagan, que se elegeu proclamando que "o problema não era a economia e sim o governo”.
Do outro lado do Atlântico, Margareth Thatcher rebateu com um pérola do neoliberalismo: “não existe essa coisa de sociedade”, como se o individualismo do cada um por si fosse a nova ordem do progresso.
Demos um salto no tempo e pousemos neste anos de 2024.
O idealizado Estados Unidos de Reagan é hoje o perigosamente dividido país de Trump, outro bilionário sobre o qual pesam já provadas acusações de fraude.
E que se propõe a assumir um papel de autocrata na maior potência nuclear do mundo, embora Trump sofra, dentre outras mazelas, de uma irresistível compulsão a mentir e trapacear.
O Reino Unido de Margareth Thatcher se tornou um país que perdeu sua importância no sistema econômico internacional.
E, parte em busca de um tempo perdido, quando seus serviços públicos, principalmente na área de saúde, eram referência mundial.
Tornou-se, na Geopolítica internacional, um ator de segundo plano, com uma política externa caudatária dos Estados Unidos, muito óbvia desde os tempos da invasão militar do Iraque.
Uma análise ainda que superficial dos resultados dos anos de neoliberalismo mostra “ad nauseam” que o mundo dito ocidental se tornou mais injusto e socialmente perverso com a redução óbvia do nível de vida das chamadas classes média e pobre.
Hoje, a cantilena doutrinária do neoliberalismo, ao contrário de promover uma revisão dos erros dos últimos 50 anos, é a de promover mais neoliberalismo.
Em particular no que se refira ao papel dos freios e contrabalanço dos Estados na voracidade do capital predador e monopolista.
Visível nas chamadas plataformas digitais hoje muito mais poderosas financeiramente do que a maioria dos Estados soberanos.
O que estamos a assistir no Brasil é a arrogância de um capitalista bilionário contra as autoridades jurídicas do Estado brasileiro.
Convencido de que seu ervanário, se não corromper, há de amaciar “idealistas de plantão”, os bilionários se associam para defender uma liberalização geral dos freios do Estado.
E como um desses bilionários não esconde, a associação com Trump é particularmente fundamental para eventuais golpes de Estado possam germinar à luz de um novo ideário liberticida.
Esses fatos se tornaram óbvios na Semana da Pátria.
Será infantil, daqui para frente, tentar separá-los como forças não organizadas.
Não há infelizmente ingênuos neste jogo. Será mais frequente o surgimento de novos ricos no cenário político nacional a acenar com varas mágicas de enriquecimento rápido e profundo. Como são todas a fraudes.
Em próximos artigos, pretendo discorrer sobre os riscos políticos que corremos com a perspectiva de que as" big-techs" possam realmente levar a bom termo sua estratégia de nos sujeitar a todos a novas formas de servidão .
Lamentavelmente, a verdadeira independência não se limita ao verde-amarelo.
É um trabalho constante, diário, onde a inteligência, e não a impulsividade, deve nortear nossos passos.
A estrada é longa, caminhante. Andei nela por quase cinquenta anos. Pelo menos, dela não me desviei.
XXXXX
EM TEMPO. A manobra de Maduro, ao retirar ilegalmente o Brasil de país responsável pelos assuntos da Argentina na Venezuela, ao mesmo tempo que cercava a residência da Embaixada da Argentina em Caracas com carros da polícia secreta, pronta a intervir a qualquer momento, revela três coisas: a) Maduro sacou o punhal de sua cintura para esfaquear o que há de mais sensível na relação diplomática na América do Sul. Será difícil esquecer. E muito revela. b) O San Martin, o Ministério das Relações Exteriores da Argentina, prova ter a segunda melhor diplomacia da América do Sul e c) o Itamaraty não improvisa, como dizem os diplomatas argentinos.
2. Finalmente, digo eu, como é confortável ter uma Diplomacia equilibrada como a nossa, na hora em que os “estrategistas do desespero” começam o “ barata voa”.
3. Você já sabe em quem votar nas eleições municipais? Não é uma eleição menor.