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Retrovisão: o passado nos guia? Ou mamãe eu quero?

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 21/07/2024 às 09:59

Alterado em 21/07/2024 às 10:00

Se você, como eu, foi dormir depois do encerramento da Convenção do Partido Republicano nos Estados Unidos da América, você, como eu, deve ter dormido mal.

Poucas vezes o mau gosto se associou com um saudosismo de Cecil B. De Mille tão patético. Desde o andar do anfitrião-ungido, uma ginga de capataz escravocrata abençoado por cascatas de bolas azuis e vermelhas, tudo com um ranço de passado repintado.

Mais do que patético, altamente preocupante o discurso de Trump a propor e prometer um passado envolto em doce de açúcar róseo como numa paródia (infinitamente malfeita) da “Yellow Brick Road” em que Judy Garland anunciava o mundo encantado do “Over the Rainbow“. Um pote de dinheiro para todos.
Trump, com toda sua argúcia e seu exército de 'ghost-writers', não se deu conta de que o discurso do candidato era nada mais nada menos do que o toque de silêncio do neoliberalismo e do globalismo.

Não só rezava ali a missa de sétimo dia do neoliberalismo, mas também de todo arcabouço financeiro internacional surgido em Bretton Woods, com passagens de recuperação cardíaca, com a criação da OMC e do coma induzido do sistema das Nações Unidas.

Voltado para um nacionalismo xenófobo, Trump, de quebra, apagou os belos dizeres da Estátua da Liberdade a dar boas-vindas aos imigrantes do mundo todo.

Transformados em escória, os imigrantes que aportarem nos Estados Unidos serão recebidos a bala, como bárbaros invasores. A América será dos americanos e temo que até os brasileiros encastelados nos condomínios de Miami, comecem a ter cotidianos problemas com seus síndicos. Talvez uma taxa antipoluição?

A hora da verdade se aproxima a passo de capataz-escravocrata, mísseis na cinta, rebenques na mão. Nada da entusiasmada e realmente viril oratória de John Kennedy a anunciar a chegada ao poder de uma nova geração de americanos a defender uma democracia livre de guerras e de autoritarismos. Não é a esta America a que Trump quer voltar: a dele é a América da “Boat-Diplomacy”, da incorrígivel empresa parasitária, só que agora a cobiça se dirige para os minérios nobres desejados pelas tecnologias de última geração.

Trump é o porta-voz de um retrocesso indizível, alheio a óbvias mudanças climáticas. Trump defende o “drill baby drill”, grito de guerra dos convencidos de que desgraça pouca é bobagem. E pouco se importam se a Amazônia virar um deserto no Brasil. Ou se o Brasil nunca se desenvolva a ponto de ser interlocutor válido num mundo melhor do que na diáspora americana pretendida por Trump.

Trump e seu extremismo levarão os Estados Unidos da América a se mostrarem avessos a todo Direito Internacional sempre que ele não se identifique com os interesses mais comezinhos não só de seu governo, mas também das grandes empresas, ditas transnacionais, mas cada vez mais comprometidas apenas com o grande capital e o lucro a qualquer custo.

A visão passadista de Trump é em si uma fraude eleitoral. Trump já deixou claro sua afinidade com os autocratas e, desta forma, o compromisso com a Democracia se evapora como fumaça de ilusões perdidas.

Suas recentes manifestações de apreço pelos trabalhadores não resiste a uma análise séria de seus propósitos. Trump removeu todos os mecanismo de apoio aos operários, dedica-se a acabar com o serviço de saúde pública americano e seu projeto de equilíbrio fiscal apenas reduz os impostos de grandes contribuintes e deixa à própria sorte os assalariados. Hipocrisia servida diariamente a um fanatizado eleitorado.

Trump provavelmente ganhará a eleição. De minha parte, estimaria ver Trump debater com Kamala Harris. Uma mulher, para começar. Mais do que nunca precisamos da coragem sóbria das mulheres .
Principalmente, quando do outro lado surgem como líderes homens visivelmente disfuncionais, a ostentar suas enormes feridas narcísicas, suas insatisfeitas sedes de leite materno, seus ódios patológicos a toda e qualquer forma de amor desmercantilizado.

É hora de crescer. Não se ridiculariza um povo desta forma.

GOD BLESS AMERICA.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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