ARTIGOS

Quando novembro vier

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 14/07/2024 às 10:00

Se em julho Macron provocou uma abertura de cartas sobre a insatisfação geral e irrestrita contra os extremismos de esquerda e de direita, Biden, e sobretudo Trump, podem fazer de novembro o 9/11 da história do mundo ocidental. E não desabarão apenas torres como metáforas de uma falência.

Há um sentimento generalizado no ar que, para nós brasileiros, cheira a último baile da Ilha Fiscal, quando em meio a valsas e rodopios de saias rodadas, a monarquia exala seu último suspiro.

Agora, talvez, pela carga de ódio, pelo desatino das núpcias demoníacas entre o enriquecimento abusivo e a desigualdade social, estejamos mais próximos do que nunca de uma Sodoma e Gomorra. E Biden corre o risco de virar estátua de sal. A contemplar pasmo a herança maldita que se misturou com suas melhores intenções.

A mim me parece, com todo o respeito que tenho por seu histórico de vida pública, que Biden joga às feras sua biografia e corre o risco de ser responsabilizado ao longo dos séculos como o presidente, que por querer provar sua sanidade mental, jogou a sorte da Democracia ocidental nas mãos de sociopatas.

Falta alguém cuja lealdade a ele, Biden, seja inquestionável e que com ele tenha condições de lembrar-lhe o gesto de Lyndon Johnson quando renunciou a possibilidade de recandidatar-se à presidência ao fim de seu mandato como presidente dos Estados Unidos, após o assassinato de John Kennedy.

Johnson, cujo histórico no Senado lembra em muito a longevidade e o respeito que Biden ali também deixou, preferiu voltar-se para aprovar as leis anti-segregação racial que Kennedy havia submetido ao Legislativo, mas que nele se arrastavam sem a menor chance de aprovação.

Mesmo com as medidas que tomou para retirar os jovens americanos do Vietnã, Johnson sabia muito bem que os estados sulistas, e em particular o seu Texas, jamais o perdoariam por ter feito passar no Congresso as leis anti-segregação racial. E foi a marca que Lyndon Johnson deixou na história.

Hoje Biden tem o dilema oposto. Se Trump ganhar haverá certamente efeitos altamente danosos não só para os Estados Unidos, mas para todo o Ocidente. Trump já se encarregou de anunciar sua tendência a fazer do segundo mandato e, talvez de um possível terceiro, um exercício autocrático com o apoio de uma extrema direita ensandecida e fanatizada por um evidente retrocesso político, social e econômico.

Reside aí o dilema de Sofia da sociedade americana, hoje praticamente reduzida a um trumpismo de deixar o comprometimento com a causa da Democracia aos frangalhos. Falta a Trump o mínimo de aderência a verdade para que se possa entregar-lhe o controle do maior arsenal nuclear do mundo.

Sua incapacidade de reconhecer a importância de Estados, como a China, no comércio internacional de tecnologia, apenas revela seu primarismo e quase selvageria nas deliberações mundiais. Sua arrogância com os países da Europa Ocidental é mais um exemplo de uma concepção geopolítica vesga. Os exemplos poderiam continuar, porque nele a onipotência é unicamente superada pelo primarismo.

Mas, novembro poderá ser também o “setembro dos nossos anos” tão bem interpretada por Frank Sinatra. Um mês cálido sem as oscilações dos verões ou dos invernos. Uma brisa amena, se bem que tardia.

Não esqueçamos que em novembro teremos na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro o que, sem dúvida, será o maior evento geopolítico em muitos anos, talvez o mais relevante desde o fim da segunda guerra mundial.

Aqui se poderá dar início a uma revisão do sistema tributário internacional. Não é uma hipótese. É uma proposta surgida por iniciativa de países africanos na Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada por larga margem, e incorporada na agenda do G20 que, com a liderança do Brasil será objeto de deliberação por todos os países membros do FMI, da OCDE, do G20, dos Brics. Não é pouca coisa. Os encontros no Rio de Janeiro podem transformar-se numa agenda internacional compatível com os reais problemas da humanidade, trazidos pelas mudanças climáticas e pelos efeitos de uma globalização assimétrica e o neoliberalismo, nova métrica de um sovado colonialismo que não ousa dizer seu nome.

Trump, reeleito, certamente terá todos os motivos ditados pelo narcisismo patológico que o parasita para manter os Estados Unidos em clara e decisiva oposição a um mundo mais sadio.



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EM TEMPO: Partiu Sérgio Duarte, embaixador e figura humana exemplares. Além do mais, excepcional no tênis de mesa, excelente tradutor de poemas clássicos. Minha solidariedade à família nesta hora triste, em especial a seu filho, Tuca, que manterá na diplomacia brasileira a mesma excelência de seu pai.



Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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