ARTIGOS

O lado B, de bom, do Brasil

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 07/04/2024 às 09:26

Alterado em 07/04/2024 às 09:26

Esta semana, o Brasil mostrou a sua cara. Não a cara denunciada por Cazuza, mas a cara boa, de uma sociedade em paz, orgulhosa de sua terra e de seu povo.

Dentre tantas razões, assinalo a entrada finalmente na Academia Brasileira de Letras de um representante dos povos originais, com muito a nos ensinar sobre nossa língua e nossa gente.

Seguiram-se as homenagens a dois dos maiores símbolos da barbárie que marcou o Brasil nos anos de minha juventude, com o reconhecimento da inocência e bravura dos Herzogs, de Manuel Filho e Rubem Paiva.

Finalmente, com o pedido de perdão público aos indígenas deste país, infelizmente até hoje submetidos à insânia da mineração clandestina mortífera do mercúrio em nossos rios e nos cérebros de nossas crianças.

Para completar, registre-se a captura dos fugitivos que durante muitas semanas zombaram de nossa inteligência policial. Presos e recambiados à Penitenciária de onde se evadiram, sem derramamento de uma só gota de sangue.

Há quem encare como exceções esses atos de grandeza social. Honestamente, vejo neles sinais evidentes de que começamos a sair da zona de trevas em que nos vimos submergir com a onda de propagação dos governos totalitários, surgidos nos últimos anos num arco amplo do chamado mundo ocidental.

A cada dia que passa, o Brasil se diferencia de Estados decadentes a defender um retorno à autocracia e ao enfraquecimento dos mecanismos democráticos do Estado de Direito.

Vejam o que está a ocorrer na Hungria, na Turquia, em Israel e, sobretudo, vejam o impasse que se delineia nos Estados Unidos da América, país incontestavelmente reconhecido como líder dos direitos iluministas surgidos desde a revolução francesa e da revolução americana.

Bem sei que as explicações de sociólogos, economistas e até mesmo de videntes são inúmeras e cada vez mais tendem a nos arrastar a um fatalismo de proliferação de guerras localizadas, cada vez mais prenunciadoras de um cataclisma universal.

Não deverá passar sem registro, neste contexto, os últimos movimentos de Trump na corrida eleitoral, ao lançar uma Bíblia recortada com textos da fundação do Estado americano. Trump caminha em direção a uma teocracia impensável nas Américas e reforça direta ou indiretamente as diferentes “Jihads" mundo afora.

Não adianta supor ou até mesmo insinuar que Trump seja um sociopata ou coisa pior, como já fizeram medicos psiquiatras, sem maior consequência, nos Estados Unidos.

O que importa saber é que hoje o destino do mundo está nas mãos do sistema eleitoral americano. Vejam que não menciono o povo americano, mas o sistema eleitoral cuja complexidade retira da maioria do povo a decisão final do sufrágio.

Nós no Brasil, viramos esta página. Quando comparo os Estados Unidos da América com o Brasil, fazendo abstração do enorme poderio militar do primeiro, constato a óbvia diferença nas agendas de cada um desses dois países para os tempos em que vivemos.

Trump, por mais que popularize seu discurso e procure santificar sua missão, nos sugere a regressão aos piores anos do capitalismo dos séculos 20 e 21.

O "Make America Great Again" nada mais é do que revestir o neoliberalismo e a globalização assimétrica de falso manto sagrado, sem deles retirar os mecanismos de desregulamentação inventados por Thatcher e Reagan e as sucessivas crises financeiras a culminar com o “crash" de 2008.

As tentativas de reorganização do sistema financeiro tentadas por Obama foram tímidas e desmontadas em sua maioria pelo período de Trump I, que certamente será aprofundado caso seja reeleito.

Trump, por mais que procure esconder do eleitorado, é fortemente apoiado por grandes grupos financeiros nos Estados Unidos e sua eventual reeleição poderá nos afetar profundamente por muitos anos.

Nossa agenda, infinitamente mais progressista e voltada para um combate sistemático à pobreza, aos choques climáticos e à missão de fazer do Brasil um país solidário a uma governança mundial mais equânime, está hoje ameaçada pela insistência na manutenção de regras do jogo que, como estamos a ver, só floresce em campos minados pelo autoritarismo, pelo desemprego larvar e sobretudo por equívocos sobre a real transcendência humana.

Mas, os sinais crescentes de movimentações construtivas na sociedade brasileira me fazem acreditar que o Brasil terá pela própria força de sua natureza, de seus recursos materiais e sobretudo humanos, muito a influenciar no renascer de um novo iluminismo.

Hoje, mais do que nunca, o homem se defronta com seus labirintos.

*Embaixador aposentado

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