MEIO AMBIENTE

Observatório do Clima, com 130 ONGs afiliadas, planeja ir à Justiça contra exploração de petróleo na Foz do Amazonas

A 20 dias da COP30, Ibama concede licença para Petrobras explorar Margem Equatorial. 'Sabotagem' e 'contradição' foram palavras usadas pela sociedade civil. Segundo o Greenpeace, o modo como o processo foi conduzido abre brechas para a judicialização

Por JB AMBIENTAL com ((O)) Eco
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Publicado em 21/10/2025 às 07:57

Alterado em 21/10/2025 às 08:27

Marcio Astrini é o secretário executivo do Observatório do Clima Foto: Márcia Alves/Fundação Perseu Abramo

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Por Cristiane Prizibisczki - A 20 dias da COP30, quando os olhos do mundo estarão voltados para a região Amazônica, o Ibama concedeu à Petrobrás, nesta segunda-feira (20), a licença operacional para “pesquisa exploratória” voltada à extração de petróleo e gás em águas profundas na costa do Amapá, no conhecido Bloco 59, na Foz do Amazonas. A reação da sociedade civil foi imediata e organizações já falam em judicialização do processo de licenciamento.

Há vários meses o Ibama vinha sendo pressionado pela liberação da licença. Segundo apurou ((o))eco, a licença foi concedida nesta segunda-feira devido a mais uma pressão da petrolífera, que mantinha, desde o dia 18 de agosto, um navio sonda na costa do Amapá, ao custo de R$ 4 milhões por dia.

A sonda de perfuração NS-42 foi utilizada no final de setembro para o teste operacional de resgate de fauna realizado pela empresa. O teste incluiu exercícios de resposta a emergências, mas foi considerado falho em vários aspectos. Embarcações de resgate ficaram presas em redes de pesca e bancos de areia, faltaram equipamentos de proteção aos funcionários envolvidos no teste e uma das embarcações quase colidiu com uma lancha.

Mesmo assim, o Ibama manteve o processo de licenciamento, condicionado à readequação de certos documentos, que foram entregues posteriormente pela Petrobras ao órgão ambiental.

Repercussão negativa

Segundo a rede do Observatório do Clima, formada por cerca de 130 organizações, a aprovação é uma “sabotagem à COP” e coloca o Brasil na contramão do discurso de líder climático reivindicado pelo presidente Lula no cenário internacional.

“A decisão é desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade e, para enfrentá-la, organizações da sociedade civil e movimentos sociais irão à Justiça denunciar as ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, que poderiam tornar a licença nula”, informou o OC, em comunicado. [leia a íntegra abaixo]

Segundo o Greenpeace, de fato, o modo como o processo foi conduzido abre brechas para a judicialização.

“A licença do Bloco 59 tem falhas graves de procedimento e conteúdo, violando a Constituição, tratados internacionais e a legislação ambiental. Pela lei, a licença só pode ser concedida quando houver comprovação clara da capacidade da empresa de prevenir e responder aos riscos envolvidos e os planos de emergência apresentados no decorrer do processo de licenciamento ambiental são insuficientes e não demonstram essa capacidade. Além disso, não houve avaliação adequada dos impactos sobre os povos indígenas, nem a consulta livre, prévia e informada. Esses vícios tornam a licença inválida e podem ser questionados judicialmente”, explica Daniela Jerez, advogada da organização no Brasil.

Além da contradição entre o discurso climático do Brasil e o avanço de uma nova fronteira de petróleo no país, continua o Greenpeace, a decisão brasileira contradiz os compromissos firmados pelo próprio país com a transição energética.

“Às vésperas da COP 30, o Brasil se veste de verde no palco internacional, mas se mancha de óleo na própria casa. Enquanto o mundo se volta para a Amazônia em busca de soluções para a crise climática, vemos o Ibama conceder licença para que a Petrobras abra um poço de petróleo em pleno coração do planeta”, afirma a coordenadora da frente de Oceanos da organização no Brasil, Mariana Andrade.

Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a decisão do governo brasileiro causa “indignação”. “A Petrobras afirma que isso é ‘uma vitória para a sociedade brasileira’ e prova de seu compromisso. Sejamos claros: arriscar a fronteira oceânica da Amazônia por petróleo não é compromisso – é uma nostalgia imprudente por uma indústria em declínio”.

Além das organizações da sociedade civil, o Ministério Público Federal (MPF) vem, há vários meses, atuando no sentido de tentar barrar os testes prévios da Petrobrás e impedir que o Ibama concedesse a licença. Apesar de ainda não ter se manifestado sobre o desdobramento do caso nesta segunda-feira, é esperada uma ação do MPF no sentido de anular a licença concedida.

Pontos de não-retorno

A concessão da licença operacional para “pesquisa exploratória” pelo Ibama à Petrobrás também acontece apenas uma semana após cientistas terem anunciado que os recifes de corais ao redor do globo já atingiram o ponto de não-retorno – quando não conseguem se recompor – devido ao aquecimento das águas do oceano.

A informação é do relatório Global Tipping Points 2025, escrito por 160 cientistas de todo o mundo e divulgado no dia 13 de outubro.

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Nota do Observatório do Clima

"A pouco mais de duas semanas da COP30, o governo brasileiro aprovou nesta segunda-feira (20/10) a licença de perfuração de petróleo no bloco FZA-M-59, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. A aprovação é uma sabotagem à COP e vai na contramão do papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cenário internacional. Também cria dificuldades para o presidente da COP, André Corrêa do Lago, que precisará explicar o ato aos parceiros internacionais do Brasil.

A decisão é desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade e, para enfrentá-la, organizações da sociedade civil e movimentos sociais irão à Justiça denunciar as ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, que poderiam tornar a licença nula.

Além de contrariar a ciência, que diz que nenhum novo projeto fóssil pode ser licenciado se quisermos ter uma chance de manter o aquecimento global em 1,5oC, a liberação do petróleo na Foz também se opõe a decisões legais de tribunais internacionais sobre a urgência da interrupção da expansão dos combustíveis fósseis, incluindo deliberações recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça, que reforçam a obrigação legal dos Estados-nação de protegerem o clima.

Povos indígenas da Bacia Amazônica, parlamentares e sociedade civil vêm reiterando a necessidade de acabar com a expansão de petróleo e gás, sobretudo em áreas de alta biodiversidade, e de criar zonas de exclusão para atividades extrativistas, a fim de proteger ecossistemas críticos para o planeta – começando pela Amazônia.

É preciso estabelecer zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. Por sua imensa relevância para o clima e para a biodiversidade, que enfrentam crises globais, a Amazônia deve ser uma dessas zonas, tanto para a exploração onshore quanto para a offshore.

Especialistas da sociedade civil e representantes de povos indígenas amazônicos oferecem análises a seguir:

“A emissão da licença para o Bloco 59 é uma dupla sabotagem. Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando a ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias.” Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima

“A decisão de licenciar é claramente política — não técnica. O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônidas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta. A Petrobras, responsável por 29% de todos os novos projetos fósseis da América Latina, é a principal protagonista da expansão fóssil no continente. Ao insistir na perfuração do bloco 50, ela se consagra como a Líder Continental da Não Transição Energética.” Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara

“A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2°C e o desmatamento ultrapassar 20%. Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo. Ao contrário, deixar rapidamente os atuais combustíveis fósseis em exploração é essencial.” Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia

“O agravamento da crise climática, causada pela produção e queima de combustíveis fósseis, não deixa dúvidas de que temos que acelerar a transição energética para produção solar e eólica. O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis. Não devemos desperdiçar esta oportunidade. Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e certamente isso vai contra o interesse do povo brasileiro.” Paulo Artaxo, Físico, integrante do IPCC, especializado em crise climática e Amazônia

“É inaceitável que o governo continue promovendo a exploração de petróleo e gás na bacia Amazônica, uma área vital para a proteção do clima e da biodiversidade. Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta. Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%. Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação.” Clara Junger – Coordenadora de Campanha no Brasil – Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis

“Autorizar novas frentes de petróleo na Amazônia não é apenas um erro histórico, é insistir em um modelo que não deu certo. A história do petróleo no Brasil mostra isso com clareza: muito lucro para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais. O país precisa assumir uma liderança climática real e romper com esse ciclo de exploração que nos trouxe até a crise atual. É urgente construir um plano de transição energética justa, baseado em renováveis, que respeite os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, e que garanta a eles o papel de protagonistas nas decisões sobre clima e energia, inclusive na COP30.” Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe."

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