JUSTIÇA

Criação de 27 mil cargos fantasmas desequilibrou eleição para Castro, e pode resultar em cassação

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Por SERGIO RODAS
Do Consultor Jurídico

Publicado em 04/11/2025 às 13:23

Alterado em 04/11/2025 às 13:28

Claudio Castro Foto: Agência Brasil

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), pode perder o cargo por comandar um esquema que criou 27 mil cargos fantasmas para impulsionar sua reeleição em 2022. A prática, que custou R$ 248 milhões, configurou abuso de poder e desequilibrou o pleito em favor do político, segundo o Ministério Público Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral começa a julgar nesta terça-feira (4), a partir das 19h, o pedido cassação de Castro e do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar (União Brasil). A expectativa é de que a relatora, ministra Isabel Galotti, vote pela punição.

Pode haver pedido de vista, o que adiaria a análise por tempo indeterminado. Mesmo que isso ocorra, porém, é possível que o julgamento volte à pauta ainda em 2025.

Com a cassação dos dois políticos, pela linha sucessória, deverá assumir o governo o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Ricardo Castro. Segundo o artigo 224, parágrafos 3º e 4º do Código Eleitoral, a Justiça Eleitoral deverá convocar eleições diretas para o preenchimento dos cargos. Os cassados perderão seus direitos políticos por oito anos.

Gallotti, relatora do caso, encerra seu primeiro biênio no próximo dia 21 e pode deixar o tribunal, motivo que a levou à liberação, nas últimas semanas, de processos que entende prioritários.

Entre votos e corpos

O julgamento no TSE deverá responder se a ousada empreitada de marketing de Castro — que resultou na morte de pelo menos 121 pessoas no Rio de Janeiro — terá o condão de evitar a cassação do governador e do presidente da Alerj.

A presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, pautou o julgamento um dia depois da ação policial, a mais letal da história do estado, que Castro considerou um “sucesso”. Nenhum dos mortos identificados até agora constava da denúncia que serviu de justificativa para o massacre.

Ainda há uma série de lacunas sobre a intervenção policial nos complexos do Alemão e da Penha, a começar pelo verdadeiro número de mortos, já que 70 corpos foram retirados de uma região de mata pelos próprios moradores no dia seguinte.

Castro chegou a culpar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, em que o Supremo Tribunal Federal homologou um plano para a redução da letalidade policial no estado, pela violência, mas os números contradizem o governador.

Esquema de fantasmas
Em denúncia, o Ministério Público Eleitoral argumentou que Castro cometeu abuso de poder político e econômico e conduta vedada pelo uso de “folha de pagamento secreta” com 27 mil cargos temporários no Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Fundação Ceperj) e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O esquema foi descoberto após bancos informarem saques de dinheiro vivo na “boca do caixa” que somaram R$ 248 milhões, feitos por dezenas de milhares de pessoas que integrariam o suposto esquema.

O MPE ressalta os depoimentos de testemunhas “não deixam dúvidas sobre o conhecimento e anuência” de Castro, Bacellar e o ex-vice-governador Thiago Pampolha sobre o esquema.

Segundo o MPE, era “o claro o interesse eleitoral, por meio do oferecimento de trabalho, materiais, serviços à população, incutindo na mente do eleitorado a imagens dos representados como responsáveis diretos pelas benesses, evidenciando a promoção de tais atos em favor de suas candidaturas, inclusive, sendo imposta a referência a eles através das ‘marcações’ nas páginas dos projetos e/ou seus coordenadores, nas redes sociais”. Os contratados também tinham o dever de atuar como cabos eleitorais de Castro, diz a denúncia.

“O esquema teve o claro objetivo da utilização da máquina pública estadual, à exclusiva disposição dos investigados, para permitir o escoamento de recursos públicos, dando-lhes aparência de legalidade, mas que, em verdade, foram indevidamente utilizados para promover as suas candidaturas e cooptar votos para as suas respectivas vitórias, nas urnas, atendendo a interesses pessoais escusos e a perpetuação dos referidos políticos nos cargos eletivos do Estado do Rio de Janeiro, sobrepondo-se ao interesse coletivo”, destacou o MPE, em alegações finais.

A prática desequilibrou indevidamente a eleição para governador do Rio em 2022, aponta o MPE. Castro foi reeleito em primeiro turno com 58,67% dos votos. O segundo colocado, Marcelo Freixo (PSB), foi escolhido por 27,38% dos eleitores.

Julgamento no TRE-RJ
Em 2024, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio, por quatro votos a três, absolveu Cláudio Castro, Thiago Pampolha e Rodrigo Bacellar.

Em voto vencido, o relator do caso, desembargador Peterson Barroso Simão, apontou que as contratações foram feitas sem critérios, tanto que houve acumulação indevida de cargos por servidores e pagamentos a pessoas de outros estados e até presos.

Os contratados recebiam os salários em dinheiro vivo, para burlar a fiscalização. E não havia acompanhamento da contraprestação dos serviços e dos projetos na Ceperj e na Uerj, conforme o desembargador. Dessa maneira, disse ele, as contratações violaram os princípios da moralidade, da transparência e da impessoalidade na administração pública.

Como o governador do Rio foi o mandante do esquema dos cargos secretos, conforme avaliou Peterson Simão, ele se beneficiou indevidamente no pleito de 2022.

Na visão do relator, os cargos secretos desrespeitaram os princípios da igualdade e do equilíbrio das eleições, configurando abuso de poder político e econômico, conforme diz o artigo 22, caput, da Lei Complementar 64/1990.

O magistrado também destacou que o Decreto estadual 47.978, de março de 2022, que ampliou as funções da Ceperj, permitindo que o governo do Rio firmasse convênios com a instituição para a execução de projetos sociais e alocação de aliados — sem comunicação ao Tribunal de Contas do Estado do Rio —, violou o princípio da legalidade, pois tal medida só poderia ser feita por lei, que é a única forma legal de prever aumento de despesas, conforme o artigo 145, VI, da Constituição fluminense. Segundo o relator, o decreto “teve como finalidade única legalizar os atos ilícitos”.

Gastos irregulares
No começo de 2025, o TRE-RJ absolveu Castro e Pampolha da acusação de irregularidades em gastos de recursos públicos durante a campanha eleitoral de 2022. A maioria da corte entendeu que não há provas das ilicitudes.

O Ministério Público Eleitoral alegou que a campanha de Castro efetuou gastos de cerca de R$ 10 milhões, oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, sem finalidade e destinação específicas. O montante foi pago a oito empresas contratadas para a prestação de serviços diversos, conforme a acusação.

O desembargador Peterson Barroso Simão, que ficou vencido, disse, em seu voto contra a aprovação das contas, que as notas fiscais de campanha não traziam explicações sobre o serviço prestado e que foram usados “laranjas” para comprovar a prestação das contas de campanha.

O desembargador Ricardo Perlingeiro também votou contra a aprovação das contas de campanha da chapa Castro/Pampolha e foi favorável à cassação dos diplomas “por recursos ilícitos de campanha”.

Outro lado
Em nota, o governador Cláudio Castro afirmou que as ações do governo seguiram na legalidade, sem relação com a campanha eleitoral.

Acrescentou estar confiante na Justiça e lembrou que a decisão do TRE-RJ o absolveu por falta de provas. 

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