
INFORME JB
Capital do café no século XIX, Vassouras recebe parte do PIB e do Poder em 2025
Por GILBERTO MENEZES CÔRTES
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Publicado em 02/09/2025 às 11:09
Alterado em 02/09/2025 às 23:58

Na manhã de sábado, 30 de agosto, Vassouras, que foi a pujante sede do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil Imperial no século 19, concentrando a riqueza do café no Vale do Paraíba do Sul (RJ), reuniu boa parte do PIB e do Poder do Brasil de 2025 para a cerimônia de abertura do Museu de Vassouras.
Os coches puxados a cavalo com os quais desfilavam os barões do Vale do Café pelas ruelas da cidade foram aposentados na virada do século, após a princesa Isabel assinar a Lei Áurea, pondo fim à escravidão (13 de maio de 1888), e a queda da Monarquia, em 15 de novembro de 1889. A memória da riqueza dos meios de transporte da época está em frente à Estação Ferroviária: a locomotiva a vapor D. Pedro II, que homenageia o último Imperador.
Visitantes convidados puderam conhecer o Museu de Vassouras nesse sábado; abertura para o grande público será em novembro Foto: GMC
Sábado, com a inauguração marcada para 11 horas, os céus de Vassouras eram cruzados por modernos helicópteros que traziam os novos magnatas, responsáveis pela maior parte do PIB atual, como o banqueiro André Esteves, dono do BTG-Pactual, o quinto brasileiro mais rico pela lista da “Forbes”. As ladeiras de paralelepípedos eram sacudidas pelos veículos de escolta do presidente do Supremo Tribunal Federal, o vassourense Luís Roberto Barroso, e do governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro.
Um verdadeiro mecenas
O responsável por toda a movimentação era o ex-banqueiro (Multiplic), político e empresário Ronaldo Cezar Coelho, que convidou parceiros de negócios, como Nelson Tanure, hoje o maior acionista da Light, o ex-sócio do Multiplic. Antônio José Carneiro, atual dono da João Fortes Engenharia, Mauro Viegas Filho, ex-presidente da Concrejato, que fez a reforma estrutural do museu, políticos, prefeitos e amigos para ver o restauro magnífico.
Ronaldo se encantou por Vassouras nos anos 90, quando comprou e restaurou, inclusive os morros, com reflorestamento de 300 mil árvores nativas da Mata Atlântica, a belíssima Fazenda São Fernando, onde nesse sábado ofereceu almoço a centenas de convidados vindos de possantes automóveis ou modernos helicópteros.
A iniciativa de compra e posterior restauro da antiga Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1853, tombada em 1958 pelo IPHAN, mas que estava em ruínas, depois de ser transformada em asilo, devido a um incêndio ocorrido há 15 anos, ocorreu em 2017. Foram seis anos de negociação, através do seu Instituto Vassouras Cultural.
A partir de 2019, Ronaldo investiu do próprio bolso, sem qualquer incentivo fiscal, mais de R$ 50 milhões para transformar o conjunto arquitetônico em um museu que pretende resgatar uma parte da história escondida do Vale do Café.
O museu de Esteves
Provocado a fazer mecenato e trazer museus de arte para o Rio de Janeiro, o carioca, nascido na Tijuca, André Esteves, disse que já tinha contribuído para a fundação e manutenção do Inteli – Instituto de Tecnologia e Liderança, em São Paulo, e adiantou que está terminando o Museu de Arte Concreta.
Instalado em terreno que comprou nos Jardins, o museu vai abrigar mais de uma centena de obras de arte do colecionador João Satamini. Só que a coleção estava cedida em comodato ao Museu de Arte Contemporânea (MAC), o belo projeto de Oscar Niemeyer em Niterói. Ou seja, Esteves vai esvaziar a vida cultural do Grande Rio e fortalecer São Paulo, o centro de seus negócios.
O político habilidoso
O anfitrião, hoje um dos maiores acionistas de empresas como Vibra (ex-BR Distribuidora), Light e Energisa, com larga experiência política (se elegeu deputado federal Constituinte em 1986, cumprindo cinco mandatos pelo PSDB, como secretário estadual de Indústria e Comércio do governo Marcelo Alencar, quando inaugurou o Porto de Sepetiba, hoje de Itaguaí, trouxe a Volkswagen Caminhões para Resende e inaugurou o pólo gás-químico de Duque de Caxias; depois, foi secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro), continua um hábil negociador.
Além de receber três representantes da família Orleans e Bragança, os irmãos Francisco e Alberto e o príncipe D. Joãzinho, e o presidente do Poder Judiciário, o cidadão de Vassouras Luís Roberto Barroso, levou a Vassouras o governador Claúdio Castro, acompanhado dos secretários de Turismo, Gustavo Tutuca, de Cultura e Economia Criativa, Danielle Barros, e da Casa Civil, Nicola Micione.
Para chamar a atenção para o efeito multiplicador do fluxo turístico-cultural na economia de Vassouras e municípios do Vale do Café, que vai exigir mobilização na formação de novos profissionais na área de serviços de guia, transporte, recepção, alimentação e hotelaria, convidou os prefeitos do Vale do Café e até o prefeito do Rio, Eduardo Paes.
Agenda de campanha
Eduardo Paes, já em pré-campanha para o governo do Estado do Rio de Janeiro, em outubro de 2026 (concorreu em 2018 e perdeu para Wilson Witzel, candidato do PSL, partido pelo qual foi eleito presidente Jair Bolsonaro), aproveitou a presença de vários prefeitos da região para fazer alianças.
O atual governador, Cláudio Castro, que era vice na chapa de Witzel e assumiu o governo em 2020, quando o governador foi afastado, se elegeu em 2022. Além da prefeita de Vassouras, Rosi Farias, estavam presentes o ex-governador Luiz Fernando Pezão, atual prefeito de Piraí, os prefeitos de Valença, Saulo Corrêa, e de Rio das Flores, Rodrigo Cibalena.
Paes aproveitou o helicóptero da Prefeitura do Rio para visitar outros prefeitos da região que não estiveram no evento. Por isso, chegou tarde no almoço oferecido por Ronaldo Cezar Coelho na Fazenda São Fernando.
'Chegou Kassab, vai dar empate'
Paes chegou atrasado, mas ainda a tempo de encontrar o presidente do seu partido, o PSD, Gilberto Kassab, secretário Estadual de Governo e Relações Institucionais de São Paulo, na administração Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
Ao ver a chegada do líder do partido que tem conquistado mais cadeiras de prefeitos e cooptado mais senadores e deputados federais, além de estar em cima do muro na sucessão presidencial, a alma “tucana” de Ronaldo Cezar Coelho não se conteve.
Para provocar deputados federais como Júlio Lopes (PP-RJ), exclamou diversas vezes: “Chegou o Gilberto Kassab, vai dar empate”. Kassab ainda almoçou, mas seu helicóptero, como os demais (para São Paulo, Rio, Minas e Brasília), levantou voo quando a chuva passou e antes que caísse a noite.
Padrão europeu
O Museu de Vassouras, em seus três andares para exposição e audiovisuais, além de um café, claro, não fica a dever aos grandes museus europeus. Seus curadores pretendem que ele seja referência mundial no resgate da identidade brasileira, atraindo turistas de todos os estados e estrangeiros que queiram conhecer um pouco da história escondida do Brasil.
, Foto: GMC
Foto: GMC
Fotos acima mostram detalhes de alguns dos salões de exposições do Museu de Vassouras Foto: GMC
O museu vai dar visibilidade a personagens esquecidos e silenciados pela história, como Marianna Crioula e João Congo, líder da maior rebelião de escravos no antigo RJ, como representantes dos povos negros, bem como a índios e aos fazendeiros mineiros que, vindos de São João Del Rey, conquistaram a região habitada pelos índios puris e coroados como o centro da cultura do "ouro negro" do Brasil entre 1830 e 1880, auge do ciclo do café.
A visitação pública foi aberta domingo, mas as atividades só começam em novembro. O projeto do Museu contempla visitas programadas de escolas, não só do Vale do Café. O roteiro educacional terá acompanhamento permanente de profissionais de ensino. A obra pretende ter impacto não só em Vassouras, mas em todo o Vale do Café pela movimentação turística o ano todo.
Inauguração em novembro
A exposição “Chegança” vai marcar abertura do Museu de Vassouras ao público em novembro, com apresentação de obras de artistas contemporâneos da propriedade particular de Cezar Coelho, como Beatriz Milhazes, Aline Motta e Sônia Gomes, além da obra Composição (Figura Só) (1930), de Tarsila do Amaral, atualmente no acervo do Masp.
Dividida em três núcleos — “Folias”, “Vapor” e “Milagre” —, a mostra tem curadoria de Marcelo Campos (do MAR) e Thayná Trindade, e mergulha nas tradições, memórias e transformações do Vale do Café.
O resgate do 'Cemitério Judeu'
Uma das descobertas mais sensacionais ligadas ao Museu de Vassouras, segundo o jornalista e publicitário Armando Strozenberg, nasceu de uma pesquisa nacional no fim dos anos 80, sobre os cemitérios clandestinos onde eram enterrados cidadãos judeus no Brasil.
Em 1990, o historiador Egon Wolf, que pesquisava o tema com a mulher, Frieda, sugeriu a Luiz Benyosef que fosse conhecer um terreno vazio, situado nos fundos do casarão de um asilo em Vassouras, onde estariam enterrados os corpos de dois judeus. O exame do local descobriu uma história incrível.
A riqueza do café atraiu a Vassouras mão de obra europeia e árabe na área de serviços. Entre eles, um popular garçom de um restaurante da cidade. Todos o tratavam por Zezinho. Na velhice, manifestou ao pároco da Matriz Nossa Senhora da Conceição, a igreja católica, o desejo de ser sepultado como judeu no cemitério católico da cidade, e revelou seu nome verdadeiro: Benjamin Benatar. A “Inquisicão” local vetou o desejo, diz Strozenberg com ironia. Na época não havia cemitérios reconhecidos pelo Estado, só pela Igreja Católica.
Mas o padre, compadecido, começou a convencer as lideranças locais, sugerindo, por fim, um enterro discreto nos fundos do terreno da Santa Casa. Assim foi feito o sepultamento pioneiro de Benjamin Benatar, em 1859. Vinte anos depois, morreu seu amigo, Morluf Levy (ambos eram judeus que migraram do Marrocos para Vassouras), que pedira ao padre para ter o mesmo destino.
Achado e recuperação
Na pesquisa, patrocinada por Egon Wolf, Luiz Benyosef, ao visitar o local, constatou que o tal “cemitério” estava abandonado e só havia, em meio à precariedade, a “matzeva” de Morluf Levy. A outra pedra tumular, referente a Benjamin Benatar, desaparecera.
Cemitério de dois judeus marroquinos nos fundos do terreno do Museu foi recuperado Foto: GMC
A matzeva original de Benjamin Benatar desapareceu. A de Morluf Levy ainda guarda os caracteres em hebraico. Foto: GMC
Para preservação da história, Egon e Luiz começaram a trabalhar no projeto de recuperação do antigo jardim. Poucas semanas depois, Egon faleceu, paralisando o trabalho. Em meados de 1991, a viúva de Egon, Frieda Wolf, junto com Luiz, decidiu retomar o projeto convidando o então diretor do Cemitério Comunal do Rio de Janeiro, Alberto Salama, e José Kogut para fazerem parte do grupo de trabalho.
O paisagista Roberto Burle Marx, sensibilizado com a ideia, ofereceu-se para desenvolver o projeto. Que teve o apoio também do prefeito da época, Severino Dias, e do fundador da Universidade de Vassouras, Severino Sombra de Albuquerque, que ofereceu a mão de obra necessária. O Cemitério Comunal Israelita do Rio de Janeiro custeou as despesas materiais.
A epifania de Ronaldo Cezar Coelho
Ao descobrir a história do cemitério de dois judeus marroquinos nos fundos do terreno da Santa Casa, onde Burle Marx plantara, em 1991, ciprestes típicos de Jerusalém, Ronaldo Cezar Coelho teve uma espécie de epifania – uma revelação interior espiritual.
É que sua mãe, nascida em Belém (PA), também descendia de imigrantes judeus marroquinos que vieram para o Brasíl no começo do século passado - boa parte foi se radicar na Amazônia, na época do ciclo da borracha.
Ao contrário do irmão, o ex-árbitro de futebol Arnaldo Cezar Coelho, hoje diretor da TV Rio Sul, retransmissora da Rede Globo no Vale do Paraíba e Sul Fluminense, Ronaldo se converteu fervorosamente ao judaísmo e fez até circuncisão há sete anos.
Por isso, o Instituto Vassouras Cultural convocou lideranças religiosas israelitas, à frente o rabino Newton Bonder, presente na reinauguração nesse sábado, para supervisionar os trabalhos de remodelação do Cemitério Judaico de Vassouras, junto com Eduardo Schnoor, Renato Lemos e Strozenberg.
Reformado três décadas depois pelo Instituto Vassouras Cultural, o cemitério, com o belo jardim em forma de casulos/favos de abelhas concebido por Burle Marx, abriga as lápides de Benjamin Benatar e Morluf Levy, e serve de última morada também a Egon Wolf. O ambiente austero é valorizado pelo desenvolvimento de mais de 30 anos dos ciprestes plantados por Burle Marx em 1991.
Os ciprestes plantados por Burle Marx já têm mais de 30 anos Foto: GMC