IMPRENSA

A postura vergonhosa da Vogue Brasil ao ceder à pressão de Nikolas Ferreira

Por JORNAL DO BRASIL com Revista Fórum
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Publicado em 19/09/2025 às 23:26

Alterado em 21/09/2025 às 11:40

Vogue Foto: Annie Leibovitz

Por Letícia Cotta - O "mundo da moda" está em polvorosa após a decisão vergonhosa da "Vogue Brasil". A revista, muitas vezes chamada de “bíblia fashion”, se curvou à pressão da extrema direita bolsonarista e demitiu uma profissional com a desculpa mentirosa de que ela teria comemorado a morte do ativista estadunidense Charlie Kirk, assassinado em 10 de setembro.

Kirk, aliado próximo de Donald Trump e diretor executivo da Turning Point USA (TPUSA) — principal organização juvenil conservadora dos Estados Unidos —, teve sua morte repercutida em várias partes do mundo.

No Brasil, quem se aproveitou da tragédia foi o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), que transformou o episódio em munição para sua máquina de ódio, perseguição e fake news. Entre as vítimas dessa caça às bruxas está Zazá Pecego, até então stylist sênior da Vogue Brasil.

Ela foi demitida depois de publicar em seus stories no Instagram uma imagem com a frase: “I love when fascists die in agony” (“eu amo quando fascistas morrem agonizando”). A frase, que fazia parte de uma sequência sobre a condenação de Jair Bolsonaro, foi distorcida e associada à morte de Kirk, gerando enorme repercussão.

Nikolas, em seguida, usou suas redes para pressionar pela demissão, acusando a revista de permitir “apologia ao crime”. A Vogue cedeu — e, ao fazer isso, manchou sua credibilidade ao legitimar uma narrativa política manipulada.

Zazá sustenta que não se referia a Kirk e que o post fazia parte de uma série de stories sobre a condenação do ex-presidente golpista. Mesmo assim, a Vogue optou pela demissão, aparentemente para aplacar crises de imagem e evitar associação à acusação de tolerar discurso violento.

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Por que isso é perigoso
O primeiro problema com a atitude deplorável da Vogue é o precedente de censura indireta. Quando uma instituição trata pressão pública como obrigação de demitir, abre espaço para que qualquer grupo com visibilidade política intimide vozes dissonantes. É a lógica da caça às bruxas travestida de “responsabilidade corporativa”.

Há também a questão da desigualdade no tratamento. Discursos ou postagens semelhantes, feitos por outras pessoas, muitas vezes não geram punição nem chegam a ser investigados. Isso cria um cenário de seletividade, em que apenas quem está sob os holofotes da mídia ou no alvo de grupos políticos acaba punido, enquanto outros passam ilesos.

Existe ainda o impacto profissional e pessoal. A demissão não significa apenas perda de emprego: traz danos à reputação, expõe a riscos de segurança e coloca outros profissionais em estado de alerta. O resultado é o medo e a autocensura, quando trabalhadores deixam de se expressar por receio de perder suas carreiras e sua tranquilidade.

A Vogue tinha outras alternativas
A revista poderia ter adotado medidas mais responsáveis antes de ceder à pressão e demitir Zazá. Uma delas seria abrir uma investigação interna para apurar o contexto da postagem, verificando a intenção e se havia, de fato, menção explícita a Kirk — algo que a stylist nega.

Outra possibilidade seria promover uma retratação ou um diálogo público com a profissional, dando espaço para que ela explicasse ou corrigisse o mal-entendido. A Vogue também poderia ter aproveitado o episódio para educar o público e reforçar suas próprias políticas de uso das redes sociais, em vez de agir de forma apressada e se deixar guiar exclusivamente por pressões externas.

Erika Hilton critica Vogue
A deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) usou as redes sociais para condenar a demissão. Ela observou que a dispensa foi resultado de uma “invenção de um político nojento e vil”, criada como “cortina de fumaça” enquanto ele apoiava a chamada PEC da Bandidagem.

Para a parlamentar, o episódio mostra como a moda continua atravessada por disputas de poder.

“A moda é política! Sempre foi usada pelo poder estabelecido e pela ordem capitalista, racista, misógina e transfóbica para separar os de cima dos de baixo”, escreveu.

Hilton criticou a Vogue por ceder à pressão da extrema direita e retirar “um espaço conquistado com garra, talento e apoio mútuo”. Ela destacou que Zazá seguirá recebendo respaldo da comunidade e do mundo da moda, mas alertou para o impacto simbólico da decisão.

“No fim do dia todos nós estamos perdendo quando fascistas se fortalecem”.

O que Charlie Kirk diria?
O caso da Vogue é apenas uma gota em um oceano de mentiras e contradições que sustentam a extrema direita no Brasil e nos Estados Unidos. A morte de Kirk desencadeou um debate global sobre liberdade de expressão e “cultura do cancelamento”. Mas o que realmente chama atenção é a hipocrisia de figuras como Nikolas Ferreira, que transformam a tragédia em combustível para uma campanha de perseguição política.

Kirk sempre se apresentou como um defensor radical da liberdade de expressão. Repetia que, nos EUA, até opiniões ofensivas ou polêmicas estavam protegidas pela Primeira Emenda, desde que não configurassem ameaça direta ou incitação explícita à violência. Para ele, “discurso de ódio” nem deveria existir como categoria legal. Denunciava a “cultura do cancelamento” como um veneno que cala vozes e instala medo de falar.

É por isso que soa profundamente cínico que, após sua morte, lideranças da extrema direita tenham feito justamente o contrário do que Kirk defendia: perseguem, expõem e tentam destruir a vida profissional de quem se manifesta criticamente. Nikolas Ferreira transformou essa contradição em bandeira, liderando uma cruzada no Brasil que atinge trabalhadores comuns e abre um perigoso precedente de censura disfarçada de moralismo político.

O efeito cascata
O episódio da Vogue não foi isolado. Ele se soma a uma onda de perseguições contra professores, médicos, designers e outros profissionais que perderam seus empregos após terem suas publicações interpretadas — ou manipuladas — como celebrações da morte de Kirk. Nikolas e seus aliados empurraram o debate sobre liberdade de expressão para um terreno de caça às bruxas.

O paralelo com os EUA
Nos Estados Unidos, a situação também se deteriorou. O caso provocou demissões em diferentes áreas e até mesmo o humorista Jimmy Kimmel, apresentador do The Late Show, foi afastado após declarações críticas relacionadas à morte de Kirk. O afastamento abriu uma crise: até que ponto empresas e figuras públicas devem se dobrar à pressão de grupos políticos organizados?

A contradição escancara que aqueles que acusam a esquerda de impor a “cultura do cancelamento” agora lideram cancelamentos em massa, instrumentalizando a dor e a morte de um ativista para perseguir adversários.

Um jogo perigoso
A campanha de Nikolas Ferreira não é apenas desrespeitosa, é perigosa. Em vez de defender o direito de expressão — inclusive de quem pensa diferente dele —, ele usa sua visibilidade para intimidar, assediar e calar opositores. O resultado é um espaço democrático corroído, onde trabalhadores comuns passam a temer perder seus empregos por opiniões políticas.

Se Kirk dizia lutar contra a “cultura do cancelamento”, a apropriação de sua memória por Nikolas mostra que, para a extrema direita, a defesa da liberdade de expressão só vale quando convém.

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